Entrevista com o maestro e compositor Luciano Camargo

Entrevistado por Nicholas M. Merlone 

1) Conte-nos um pouco da sua trajetória


Sou regente, compositor e professor universitário, com especialização no repertório vocal-sinfônico e operístico. Minha formação é toda pela ECA-USP, onde concluí o bacharelado, o mestrado e o doutorado em Música. No doutorado, desenvolvi uma pesquisa sobre a música soviética do século XX, em especial as sinfonias de Dmitri Chostakóvitch, autor que sempre me inspirou pela linguagem musical inovadora de sua obra.


Como regente, tive a alegria de dirigir produções operísticas de grande alcance desde 2018, no Teatro Bradesco em São Paulo — incluindo títulos como A Flauta Mágica, de Mozart; O Barbeiro de Sevilha, de Rossini; Carmen, de Bizet; La bohème, de Puccini; e La traviata, de Verdi, que inclusive se tornou objeto de um estudo de pós-doutorado em performance musical.


Maestro Luciano Camargo, autor da ópera ÉDIPO REI | Foto: Andrea Camargo/Divulgação

Minha trajetória também tem uma forte dimensão internacional: vivi dois anos em Freiburg, na Alemanha, como diretor de música sacra, realizei estágio acadêmico no Conservatório Estatal de São Petersburgo, na Rússia, e tive a oportunidade de reger como convidado a Orquestra Filarmônica de Lugansk e a Orquestra Sinfônica Estatal de Variedades de Kiev, na Ucrânia, além de ter realizado um concerto com obras de compositores brasileiros frente à Orquestra Gran Mariscal de Ayacucho em Caracas em junho de 2025, a convite da Embaixada do Brasil na Venezuela.

Desde 2023, atuo como professor de regência e canto coral no Instituto de Artes da UNESP, sempre conciliando o ensino com a atividade criativa. Como compositor, trilhei caminhos ligados principalmente ao repertório sacro, com obras corais e orquestrais como Christus vincit, Christus regnat, Christus imperat (2001), Auto de Natal (2009) e Cântico Universal (2013).


Agora, em 2025, estou prestes a realizar um dos projetos mais significativos da minha carreira: a estreia da minha primeira ópera, Édipo Rei, com libreto de Rodolfo García Vázquez, inspirada na tragédia de Sófocles.


2) O que te fez tomar gosto pela música?


Eu costumo dizer que o momento decisivo aconteceu quando eu tinha por volta de dez ou doze anos. Foi quando assisti ao filme Amadeus. Aquela experiência foi reveladora: ver a vida de Mozart retratada na tela me fez perceber, pela primeira vez, que a música e a composição não eram apenas um fascínio distante, mas poderiam ser caminhos profissionais possíveis. A partir dali, a ideia de viver da música ganhou uma clareza que nunca mais me deixou. O encantamento inicial, somado à vivência com coros, concertos e estudos, só confirmou essa vocação e me levou a seguir adiante, com cada vez mais entrega e paixão.

3) O que te motivou a seguir a carreira de maestro e compositor?

A regência sempre me atraiu pela possibilidade de transformar o gesto em som coletivo. Desde cedo percebi que reger é muito mais do que marcar compassos: é dar forma a uma experiência estética compartilhada, conduzindo músicos e público a uma mesma respiração. Esse papel de mediador entre a partitura e a emoção foi determinante para a minha escolha.

Já a composição veio de uma necessidade íntima de expressão. Trabalhar com o repertório tradicional é um privilégio, mas havia em mim a vontade de criar algo que dialogasse com o presente, com a nossa cultura e com as inquietações que carrego. Foi assim que nasceram minhas cantatas e obras sacras, e mais recentemente a ópera ÉDIPO REI. Escrever uma ópera é um mergulho profundo: exige paciência, persistência e uma escuta muito atenta do que significa contar uma história por meio da música. Esse desejo de dar voz própria, ao mesmo tempo em que dialogo com a tradição, é o que me motiva todos os dias.


4) Qual é o papel da música na educação, cultura e desenvolvimento do país?

A música, assim como as demais artes, constitui a própria identidade de um povo. Por esta razão, o cultivo, o ensino e o incentivo à música nos diversos níveis - desde educacionais até as mais altas instituições musicais - são essenciais para o desenvolvimento e a afirmação dos valores de uma comunidade, sua própria autonomia de pensamento.


Em grande medida, a música de raiz folclórica e as manifestações populares em geral já contribuem de forma significativa com a identidade brasileira. Entretanto, a música de concerto e, em especial, a ópera, carecem de investimentos e um comprometimento definitivo das diversas instâncias governamentais para seu efetivo desenvolvimento e difusão social.


Para além de sua importância intrínseca, há que se considerar que a música tem impacto direto na sociedade: ela gera empregos, movimenta a economia criativa, mas sobretudo amplia horizontes, porque uma sociedade que valoriza a arte forma cidadãos mais críticos, sensíveis e preparados para enfrentar desafios. Investir em música é investir em pessoas — e sem esse investimento não há futuro possível.



5) Que conselhos daria a um jovem que pretenda seguir a carreira de maestro e compositor?


Não tenha pressa. A música é feita de tempo, de amadurecimento e de escuta. Estudar com dedicação é essencial, mas tão importante quanto o estudo é a experiência prática: reger pequenos grupos, escrever peças curtas, ouvir muito, errar e corrigir.


Outro ponto é cultivar a humildade do diálogo. O maestro não é um solista, mas alguém que cria unidade; o compositor não escreve para si mesmo, mas para que sua obra ganhe vida nas vozes e instrumentos de outros. Por isso, é fundamental aprender a ouvir o outro.


E, por fim, eu diria: busque sua própria voz. Aprenda com os grandes mestres, mas não se acomode em repetir fórmulas. O que vai sustentar sua carreira é a autenticidade, a verdade daquilo que você tem a dizer por meio da música.


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